Não é novidade para ninguém que, principalmente no primeiro semestre do ano passado, o IGP-M/FGV índice normalmente utilizado para reajuste anual de diversos tipos de contratos, como os de financiamento, locação e outros, atingiu marcos históricos. Em maio de 2021, por exemplo, o acumulado de 12 (doze) meses ultrapassou 37% (trinta e sete por cento) e assustou aqueles (as) que logo teriam seus contratos e prestações reajustados.*
Tamanha foi a variação, que o pico atingido naquele mês de maio foi a segunda maior alta do índice desde o fim das super inflações com a criação do Plano Real em 1994. * Referida situação elevou muito o valor das prestações, fazendo que muitos contratantes ficassem inadimplentes e os tribunais brasileiros, sobretudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo fossem abarrotados com Ações Revisionais de Contrato.
Nestas ações, os argumentos usados foram, em suma, a Teoria da Imprevisão, prevista no art. 317 do Código Civil e a da Onerosidade Excessiva, trazida pelo art. 498 do Código Civil.
De modo geral, se defendia que a absurda alta do IGP-M se tratava de um evento totalmente inesperado e imprevisível e que foi impulsionado pelos efeitos prejudiciais da pandemia de Covid-19, na medida em que o índice da Fundação Getúlio Vargas sempre se manteve em relativa estabilidade, com raríssimos picos, fazendo com que as partes contratantes não pudessem sequer presumir um cenário daquele.
Paralelamente, colocava-se que o reajuste causado pela alta do índice deixou as prestações excessivamente onerosas e desproporcionais para aqueles (as) que tinham que honrá-las, ao passo que as deixaram extremamente vantajosas e benéficas para aqueles (as) que deveriam recebê-las.
Assim sendo, boa parte daqueles (as) que buscaram o poder judiciário para tentativa de revisão de seus contratos acabaram por pleitear, na maior parte dos processos, a substituição do IGP-M pelo IPCA/IBGE ou pelo INCP, à época mais estáveis, por exemplo.
Diante desta “enxurrada” de ações revisionais, pedidos liminares e outras formas de sobreposição à pacta sunt servanda (respeito e cumprimento ao que foi pactuado pelas partes no contrato) em um primeiro momento, ainda durante o cenário pandêmico e durante a alta do índice, o Tribunal de Justiça de São Paulo passou a conceder de maneira provisória e pontual as revisões atreladas a Contratos de Locação, justificando esta intervenção tal qual posto, por exemplo, no Agravo de Instrumento 2081463-95.2021.8.26.0000 do Relator (a) Antônio Rigolin.
Mostra-se perfeitamente viável a substituição provisória do índice de reajuste (IGPM) pelo IPCA, mais condizente com a realidade econômica, considerando que nas circunstâncias atuais, o critério de reajuste contratado se tornou injusto e implica desequilíbrio entre as partes.
(TJ/SP -Agravo de Instrumento 2081463-95.2021.8.26.0000 - Relator (a) Antônio Rigolin - Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado - Foro de Barueri - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/05/2021 - Data de Registro: 04/05/2021). (Grifo nosso).
Em contrapartida, com a superação da pandemia de Covid 19 e relativa estabilização do IGP-M em comparação com o primeiro semestre de 2021, as ações revisionais atreladas a contratos de financiamento, compra e venda e outros começaram a ter seus desfechos.
Com isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo passou, na maior parte dos casos, a não conceder as revisões sob a fundamentação de que ainda que a variação tenha sido expressiva, por si só não é base para concluir pela a ocorrência de algum desequilíbrio contratual que justifique a intervenção do judiciário com apoio no princípio da intervenção mínima e excepcionalidade da revisão contratual do art. 421, § único do Código Civil. Ou seja, primaram pela pacta sunt servanda, citada anteriormente.
A título de exemplo tem-se o recente acórdão proferido na Apelação n.1000782-39.2021.8.26.0459 do Des. (a) Rel. (a) Carlos Alberto de Salles, julgado em 28 de junho de 2022.
COMPRA E VENDA. LOTEAMENTO. PARCELAMENTO. REVISÃO. Insurgência contra sentença de improcedência. Manutenção. 1. FALTA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. Não ocorrência. Apelantes que se opuseram especificamente aos fundamentos da r. sentença. 2. PERIODICIDADE DOS REAJUSTES. Verificada a observância dos percentuais, periodicidade e forma de amortização livremente pactuadas. 3. ÍNDICE CONTRATUAL DE REAJUSTE. Pretensão à alteração dos reajustes mensais e à substituição do IGPM pelo IPCA. Descabimento. Contrato livremente pactuado. Precedentes. Ausência de abusividade. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ/SP - Apelação Cível 1000782-39.2021.8.26.0459 - Relator (a): Carlos Alberto de Salles - Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado - Foro de Pitangueiras - 2º Vara - Data do Julgamento: 28/06/2022 - Data de Registro: 30/06/2022). (Grifo nosso).
Por mais que se entenda que não há como criar um “precedente da não substituição do IGP-M”, porque cada processo merece um enfoque específico e, naquela situação pode estar ocorrendo um desequilíbrio contratual, gerando onerosidade excessiva a uma das partes contratantes, o Tribunal de Justiça de São Paulo na maior parte dos casos tem seguido fielmente um posicionamento único.
À visto disto, analisados os julgados de junho de 2022 até agosto de 2022 sobre casos similares, concluiu -se que o tribunal bandeirante tem rechaçado a maior prte ações revisionais que tiveram nascedouro no primeiro semestre de 2021, excluindo a possibilidade da substituição do IGP-M por outro marcadores como o IPCA e o INPC, se apoiando na intervenção mínima e respeito a pacta sunt servanda, sendo raros os casos de deferimento e, quando deferidos, estão comumente ligados a contratos de locações e tiveram a concessão ainda no período pandêmico e de alta do índice da FGV.
Autor: Rodrigo Zanirato Brandão
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