1. Introdução ao planejamento jurídico em sociedades empresárias
O planejamento jurídico de uma sociedade empresária deve começar muito antes de sua formalização e de seu registro oficial. A fase pré-constitutiva, onde os sócios iniciam os entendimentos para a formação de uma sociedade, é um período importante para o desenvolvimento de uma estrutura jurídica eficiente. Desde o momento em que os investidores decidem unir forças e recursos para a criação de um novo empreendimento, inicia-se o “iter corporativo” — um conjunto de etapas essenciais para dar vida à sociedade. Esse processo inclui discussões e definições de valores, objetivos e compromissos entre os envolvidos, o que permite a criação de uma base sólida para o futuro.
Na percuciência de GLADSTON MAMEDE, se a sociedade for adotar um dos tipos listados no Código Civil, o ajuste entre as partes (os primeiros e, eventualmente, os que demais vierem a se juntar) constituirá uma sociedade em comum que, na própria dicção da Lei, é um contrato de sociedade despersonalizado. Assim, as sociedades em comum ocorrem como uma fase pré-operacional, onde os sócios ajustam expectativas e delineiam o formato do negócio. Ainda que esta sociedade em comum não tenha personalidade jurídica, suas disposições são válidas e exigíveis entre os sócios e perante terceiros. Essa etapa, então, deve ser estruturada com um planejamento jurídico cuidadoso que antecipe e solucione potenciais conflitos, garantindo clareza de direitos e deveres, além da proteção patrimonial dos envolvidos.
2. Características e importância do contrato de sociedade em comum
O contrato de sociedade em comum formaliza os entendimentos entre os investidores antes da formalização da empresa. Esse tipo de contrato estabelece os compromissos iniciais dos sócios, incluindo a distribuição de lucros e responsabilidades, direitos e deveres. Ainda que seja um contrato preliminar e despersonalizado, ele pode ser usado como uma ferramenta jurídica valiosa para antecipar e resolver questões, criando uma espécie de “estatuto provisório” para a sociedade.
Na prática, a sociedade em comum ocorre na ausência de personalidade jurídica, mas com validade de suas obrigações perante os sócios e terceiros. A personalização do contrato de sociedade em comum pode garantir maior segurança e adaptabilidade às necessidades específicas do negócio. Para isso, o contrato deve incluir cláusulas essenciais, como:
Objeto social: definição clara dos objetivos e dos propósitos da sociedade, evitando desentendimentos quanto à direção do negócio.
Distribuição de lucros e perdas: estrutura de repartição dos lucros ou eventuais prejuízos para que os sócios tenham uma compreensão precisa dos benefícios e riscos financeiros.
Contribuições de capital: especificação do montante e da forma de contribuição de cada sócio, o que facilita o levantamento de capital e contribui para a equidade.
Responsabilidades e obrigações: definição das funções de cada sócio para que todos saibam suas responsabilidades no negócio.
Tomada de decisão: regras para o processo decisório, como a necessidade de maioria ou unanimidade para decisões críticas, assegurando governança e eficiência.
Duração do contrato: estabelecimento de um prazo para a existência da sociedade em comum ou a duração indefinida para alinhar expectativas temporais.
Disposições sobre dissolução: regras para a dissolução da sociedade, incluindo condições de saída dos sócios e divisão de patrimônio.
Essas cláusulas básicas não apenas protegem os investidores, como também facilitam a transição para uma sociedade formal. Essa formalização do contrato é, portanto, uma medida prudente para resguardar os interesses dos sócios e fortalecer o empreendimento.
3. Vantagens do planejamento jurídico antecipado e do contrato de sociedade em comum
O contrato de sociedade em comum possibilita que os sócios previnam conflitos e alinhem suas expectativas logo no início. Essa proteção inicial pode trazer várias vantagens, como:
Resguardo do investimento: o contrato define as expectativas e compromissos de cada sócio, evitando litígios sobre contribuições e responsabilidades, o que garante a segurança jurídica aos investidores e impede que eventuais desacordos comprometam o negócio.
Prevenção de riscos fiscais: a informalidade da sociedade em comum pode levantar questões fiscais, especialmente em relação à tributação dos lucros, de modo que um contrato bem estruturado ajuda a mitigar esses riscos e contribui para a regularização tributária desde o início.
Facilidade na formalização futura: um contrato de sociedade em comum bem redigido facilita a transição para uma sociedade formal, sendo que esse planejamento jurídico evita problemas que poderiam obstruir o registro da sociedade no futuro, já que as cláusulas acordadas antecipadamente simplificam o processo de formalização.
GLADSTON MAMEDE reforça a importância de um instrumento que registre o que se acertou até então, que confesse a intenção das partes, o que se espera de seu comportamento, as obrigações que assumem e o tempo de realização, ou seja, uma cuidadosa regulamentação do que deverá (e, eventualmente, do que não deverá) ocorrer durante o período formativo, constituindo em ferramenta de proteção mútua, a afastar dúvidas sobre, entre outros pontos: proposta do negócio que está sendo pensada; possibilidade de eventuais alterações, transformações, variações; eventuais modulações (condicionantes, encargos, termos); os papéis que deverão, ou não, ser desempenhados por cada um; regramento da dedicação; relações com terceiros; possibilidade ou não de adesões (aumento do número de investidores/sócios) ou defecções (e eventuais consequências); desenho orçamentário; soluções para desembolsos individuais, despesas, contratações de serviços, assunção de obrigações; normas de comportamento temporárias e, eventualmente, normas que deverão constar do ato constitutivo; regras de gestão do acervo patrimonial comum até o registro; direito de acesso a documentos e outras formas de controle; solução de conflitos.
4. O contrato de sociedade em comum como ferramenta estratégica
O contrato de sociedade em comum é mais do que um simples acordo inicial entre os sócios. Ele representa uma ferramenta estratégica que protege o negócio e estabelece uma base sólida para a sua estruturação. Algumas das estratégias envolvidas na elaboração de um contrato de sociedade em comum incluem:
Estabelecimento de normas de governança: no contrato, podem ser incluídas regras que assegurem a governança do empreendimento e impeçam comportamentos que possam prejudicar a sociedade. Por exemplo, cláusulas de confidencialidade e não concorrência podem ser ajustadas conforme as necessidades da sociedade, evitando que informações sensíveis sejam usadas de forma inadequada.
Provisão para conflitos e litígios: um contrato de sociedade em comum pode prever métodos de resolução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, para solucionar disputas entre os sócios de forma mais célere e eficaz.
Direitos de saída e entrada de sócios: o contrato de sociedade em comum pode determinar a possibilidade de entrada de novos investidores e estabelecer os termos para a saída de sócios, garantindo estabilidade e previsibilidade na composição da sociedade.
Com essas disposições, o contrato de sociedade em comum se transforma em um instrumento de proteção mútua que evita dúvidas sobre o propósito do negócio e define, de forma prática e clara, as funções de cada sócio, as obrigações temporárias e, eventualmente, normas permanentes.
5. Aspectos tributários na sociedade em comum
Um dos pontos fundamentais a considerar em uma sociedade em comum é a questão tributária, pois a ausência de personalidade jurídica não exime os sócios de obrigações fiscais. É essencial que o contrato de sociedade em comum aborde as implicações tributárias, definindo com clareza a responsabilidade de cada sócio em relação ao pagamento de tributos decorrentes das atividades realizadas. Até porque a ideia da sociedade em comum é não se perpetuar na informalidade e sim garantir a eficiente estruturação até a sua formalização em uma das sociedades típicas existentes no ordenamento jurídico.
Ainda que a sociedade em comum não possua um CNPJ e não seja registrada oficialmente, os sócios podem estar sujeitos ao pagamento de impostos sobre os rendimentos auferidos. Essa tributação pode incidir tanto sobre os lucros distribuídos quanto sobre os rendimentos recebidos pela prestação de serviços ou pela venda de produtos. Além disso, dependendo da natureza da atividade, o fisco pode interpretar a atuação da sociedade em comum como uma prática de atividade empresarial, sujeitando os sócios a contribuições fiscais semelhantes às de uma sociedade formal.
A compreensão e o planejamento das questões tributárias são, portanto, componentes importantes para a solidez e a segurança da sociedade em comum. Uma vez que a atuação dessa forma de sociedade pode ser vista como um indício de atividade empresarial regular, as obrigações fiscais devem ser cuidadosamente observadas para evitar problemas futuros com o fisco e assegurar que o crescimento do empreendimento não seja comprometido por autuações fiscais inesperadas.
6. Considerações finais
Conclui-se, então, que a fase de constituição de uma sociedade é decisiva para o sucesso do empreendimento. O contrato de sociedade em comum oferece proteção jurídica, organiza os compromissos de cada parte e evita conflitos de interesse. Em essência, esse contrato não é apenas um registro de intenções, mas a fundação que permitirá à sociedade crescer de forma sustentável e segura.
O acompanhamento jurídico, desde a fase inicial, permite que os sócios se protejam juridicamente e se preparem para a formalização futura do negócio. Com o suporte adequado, a sociedade em comum deixa de ser uma fase incerta para se tornar uma preparação estratégica que antecipa e soluciona desafios. Dessa forma, o contrato de sociedade em comum representa uma base para o sucesso e a continuidade da sociedade empresária.
Autor: Wilton João Caldeira da Silva (wilton@paduafariaadvogados.com.br) é advogado no escritório Pádua Faria Advogados, Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera/UNIDERP, Pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), LLM em Direito Empresarial pela CEU LAW SCHOOL, MBA em Gestão de Negócios pela USP/ESALQ e Qualificação para Data Protection Officer – DPO pela Opice Blum Academy.
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