Como o episódio da gigante varejista põe em xeque sua governança corporativa e, como através desta ferramenta poderão se reerguer.
I. ENTENDA O CONTEXTO
No último dia 11 de janeiro, a gigante varejista Americanas S.A (AMER3) divulgou através de nota oficial que detectou inconsistência contábeis relativas aos balanços dos últimos anos na casa dos 20 bilhões de reais, fato que chocou o mercado financeiro que, de imediato reagiu e fez com que as ações da AMER3 tivessem a cotação de R$ 12,00 antes do anúncio oficial, reduzida severamente para cerca de R$ 2,85 no dia seguinte. Uma queda de impressionantes 76%.
A notícia foi tão arrebatadora que o presidente da empresa Sergio Rial e o diretor de relações com investidores André Covre renunciaram aos seus cargos logo após a divulgação. Tal “abandono do barco” repercutiu de forma negativa e denotou que uma fraude pode ser descoberta a qualquer instante.
Em seu discurso aos investidores quando assumiu a presidência da Americanas no início de 2023, o agora Ex- CEO admitiu que haviam problemas com a transparência na empresa: “Em algumas organizações, especialmente as que precisam de ajustes, a disposição da administração em falar de problemas por vezes é menor do que deveria ser.”
Seria um presságio do que estava por vir pouco dias depois?
Paralelamente, outro ponto que salta aos olhos é o fato de que, no teor da auditoria da corporação, especialmente a do último exercício, que foi realizada por uma grande consultora (Big 4), não foram encontradas inconsistência nos números. Mesmo com o Ex-CEO, durante a reunião fechada com clientes do BTG Pactual, após a divulgação da notícia bombástica, ter relatado que o problema que resultou neste rombo bilionário ser reflexo dos últimos 09 anos.
Com um rombo bilionário às mãos e sinais de uma possível fraude, sem falar nos pareceres aprovados que não apontaram nenhuma inconsistência, a questão que fica é: Neste tempo todo, onde estava a governança corporativa da Americanas, principalmente em matéria de fiscalização e de prestação de contas?
II. CENÁRIO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA PRÉ COMUNICADO OFICIAL
O maior objetivo da governança corporativa, principalmente para corporações de capital aberto, tal qual a AMER3, é gerar valor e confiabilidade por meio de uma gestão ética e linear, visando atrair mais investidores e, paralelamente, municiar os órgãos de administração com o quanto necessário para a melhor tomada de decisão.
Analisando a situação da Americanas antes do comunicado oficial, seja nas informações contidas no site da B3 ou no próprio portal do investidor no site da empresa, era possível concluir que o nível da governança da corporação era o mais completo possível e, não parecia apresentar que uma crise deste tamanho pudesse surgir de uma hora para outra.
Tanto é que a AMER3 detinha o nível de Novo Mercado, o mais alto nível de governança e gestão possível para uma companhia dentro da bolsa de valores. Para se ter uma noção, para que uma empresa se enquadre neste patamar, é necessário seguir uma série de rigorosos requisitos, como por exemplo:
O capital deve ser composto exclusivamente por ações ordinárias com direito a voto;
Presença de 20% de conselheiros de administração independentes (aqueles que não possuem ou possuíram qualquer vinculação com a corporação).
Divulgação mensal dos valores mobiliários;
Criação de área de Compliance e questões relacionadas;
Instalação de área de Auditoria Interna, função de Compliance e Comitê de Auditoria (estatutário ou não estatutário);
Estruturação e divulgação de processo de avaliação do conselho de administração, de seus comitês e da diretoria;
Compromisso em manter no mínimo 25% das ações em circulação (free float – Ações de livre circulação) ou 15%, em caso de ADTV (average daily trading volume - quantidade média de ações negociadas a cada dia para uma ação) superior a R$ 25 milhões;
Divulgação simultânea, em inglês e português, de fatos relevantes, informações sobre proventos e press releases (comunicados da empresa) de resultados;
Por óbvio que, mesmo com uma robusta estrutura de gestão não existe “risco zero”, blindagem ou imunidade a falhas. Mas, frente a uma consolidada máquina governamental como a externada até então pela AMER3, jamais se imaginaria um “escândalo” de proporções titânicas.
III. DA GOVERNAÇA CORPORATIVA E A GESTÃO COLOCADAS EM XEQUE
A pulga atrás da orelha toca às palavras do ex-presidente Sérgio Rial, em seu discurso de posse no prelúdio de 2023, quanto a suposta falta de transparência (princípio básico e vital das boas práticas de governança) e depois ao conversar com clientes do BTG pactual, indicando que os problemas que culminaram no rombo arrastam-se por cerca de 09 anos, mostrando uma possível fraude cometida gradativamente.
Por mais que os números da companhia fossem, ao longo destes tempos, objeto de auditoria externas vindas de grandes e conhecidas consultoras, as quais não indicavam anomalias nas avaliações, informações valiosas pareciam desaparecer pelas mãos dos gestores da empresa varejista.
Debruçado sobre a estrutura de governança da empresa, posta em seu próprio site, fica mais do que claro que não faltavam órgãos e políticas internas que poderiam muito bem detectar ou ao menos contribuir para que uma conjuntura supostamente fraudulenta não ocorresse.
Apesar dos pareceres vindos de auditorias externas, haviam comitês internos, delegados do Conselho de Administração, que tinham como prerrogativa justamente contribuir para o auferimento destes números da empresa e fomentar o Conselho de Administração com dados e informações para tomadas das decisões norteadoras da S.A.
Em seguida, no mesmo patamar do Conselho de Administração e respondendo diretamente aos acionistas participantes das reuniões assembleares, de maneira independente da Administração, estava o Conselho Fiscal, cuja razão de ser é, em suma, realizar fiscalizações de todas as vertentes da organização e realizar os reporte diretamente à assembleia geral.
Diante das declarações do ex-presidente Sérgio Rial sobre o histórico de quase uma década dos problemas e sobre a falta de transparência para com a alta gestão da corporação, tem-se alguns indicativos:
O primeiro, de que os comitês e o conselho de fiscalização ou não estavam revisando e supervisionando os fluxos de dados, informações e números internos da gigante varejista ou avalizam indistintamente os pareceres das consultorias externas, as quais também não se sabe se no decorrer dos anos, falharam, omitiram ou foram coniventes com pontos de atenção que deveriam, em nome do Princípio da Transparência serem comunicados aos administradores tempestivamente.
O segundo, em se detectando uma fraude que parece se avizinhar, toda a política de compliance, anticorrupção e segurança, podem merecer uma severa revisão e, estruturação. Com um rombo desta magnitude, identificar e punir os responsáveis, seja por ação ou omissão, não basta para dar-se o exemplo e transmitir a segurança que os investidores e, até a sociedade almejam.
Deve-se trabalhar, também, com afinco e avidez no aculturamento dos colaboradores, novos gestores e de toda a gama de stakeholders da empresa às novas políticas e essências da Americanas, garantindo o fiel, escorreito e, principalmente, natural e espontâneo cumprimento dos atos, regimentos e normas internas e externas. Sem este enraizamento de uma cultura ética forte e voltada para a saúde da empresa, a chance de novas ocorrência aparecerem com o passar do tempo podem voltar a assombrá-los.
Neste ponto vale lembrar o que Peter Drucker tem a ensinar: A cultura come a estratégia no café da manhã!
IV. DA GOVERNANÇA COMO UM DOS PILARES DE RETOMADA
Com um gigantesco problema deste em mãos, apenas a reestruturação da governança corporativa não vai fazer a Americanas retomar os trilhos e reestabelecer sua saúde financeira. Pode ser necessário, por exemplo, um vasto processo de recuperação judicial, mas certamente é através de uma governança forte que a confiabilidade e credibilidades da varejista voltarão.
Assim, de início já se vislumbra alguns lampejos que externam a preocupação da empresa em identificar as causas do rombo para poder trabalhar no processo de reerguimento.
Tanto que, o Conselho de Administração rapidamente decidiu nomear um presidente interino não envolvido anteriormente na gestão contábil ou financeira da empresa. Para tanto, quem assumiu foi João Guerra cuja carreira à companhia deu-se nas áreas de tecnologia e recursos humanos.
Como segundo grande ato, o Conselho de Administração optou por criar um Comitê de Auditoria Independente para apurar as circunstâncias que ocasionaram as incongruências contábeis e que, por ser independente, portanto, sem qualquer vinculação passada ou presente à Americana, terá mais isenção e autonomia para buscar e externar o estopim e as demais causas deste evento histórico.
Apenas isto, não será suficiente para gerar nova confiança do mercado financeiro para com a companhia, uma possível restruturação dos conselhos, principalmente o fiscal, implementação de novas políticas e regramentos internos, sobretudo, ao compliance e anticorrupção, apoiado no processo recuperação financeira serão vitais para que voltemos a ver a Americana como a potência varejista que sempre foi.
O time PFA segue atento aos desdobros deste caso e gradativamente traremos várias novidades para vocês!
Fontes:
https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/presidente-americanas-amer3-renuncia/
Autor: Rodrigo Brandão – OAB/SP 406.216
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