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POSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELOS PLANOS DE SAÚDE: QUAIS OS DIREITOS DOS BENEFICIÁRIOS?

A saúde é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988 no Brasil. A complexidade do sistema de saúde brasileiro, no entanto, frequentemente gera dúvidas sobre a extensão dos direitos dos beneficiários de planos de saúde, especialmente no que se refere ao fornecimento de medicamentos.


Planos de Saúde e a Legislação Vigente


Os planos de saúde no Brasil são regulamentados pela Lei nº 9.656/98, que estabelece as normas para a prestação de serviços de saúde suplementar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a entidade responsável pela regulação, normatização, controle e fiscalização do setor. Entre suas atribuições, a ANS define o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os serviços obrigatórios a serem oferecidos pelos planos de saúde, incluindo medicamentos.


Assim, de acordo com a Lei nº 9.656/98, a obrigatoriedade de cobertura a medicamentos se dará em casos específicos, sendo estes: internação hospital do beneficiário; quimioterapia oncológica ambulatorial; medicamentos antineoplásticos (contra neoplasias) orais para uso domiciliar; medicamentos para o controle de efeitos adversos; medicamentos adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento antineoplásico oral e/ou venoso.


No entanto, no referido diploma legal há disposição sobre obrigatoriedade de cobertura de tratamento pelo plano de saúde a toda e qualquer doença listada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), vejamos:


Lei nº 9.658/98

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei.

 

Nesta senda, ao interpretar o dispositivo, nota-se que se a doença estiver incluída na cobertura, o plano de saúde deve cobrir o tratamento, incluindo o fornecimento do medicamento prescrito pelo médico.


Exceções e Limitações


Embora a legislação tenha ampliado a cobertura, existem exceções e limitações importantes. Em regra, medicamentos não relacionados diretamente ao tratamento coberto pelo plano, medicamentos experimentais ou não aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não são de fornecimento obrigatório pelos planos de saúde. Além disso, medicamentos para tratamentos estéticos ou não essenciais para a saúde do paciente também não estão cobertos.


Além disso, ainda que um determinado medicamento não esteja listado no rol da ANS, o plano de saúde não pode negar a cobertura se houver uma justificativa médica que comprove a necessidade do uso do medicamento. Isso se deve ao fato de que o § 12 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, adicionado pela Lei nº 14.454/2022, especifica que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar atualizado pela ANS serve como referência básica para os planos de saúde, não sendo, portanto, taxativo.

Outrossim, a Lei nº 14.454/2022, ao acrescentar os §§ 12 e 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/98, introduziu critérios que possibilitam a cobertura de exames ou tratamentos não incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. Esses critérios são: comprovação da eficácia com base em evidências científicas e um plano terapêutico; Recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); Recomendação de pelo menos uma agência internacional de avaliação de tecnologias em saúde, desde que aprovadas para uso em seus próprios países.


Na maioria dos casos, quando um médico prescreve um tratamento com determinado medicamento, geralmente são atendidos esses requisitos, seja pela comprovação de eficácia conforme evidências científicas, seja pela recomendação de pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional.


Portanto, mesmo que o medicamento não esteja listado no rol da ANS, o plano de saúde tem a obrigação de fornecer a cobertura (Súmula 102 TJSP). Além disso, as súmulas do Tribunal de justiça de São Paulo consignaram que havendo expressa indicação médica, de medicamento ou exame, não prevalece a negativa de cobertura de custeio de medicamento associados a tratamento quimioterápico ou negativa de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato (Súmula 95 e Súmula 96 do TJSP).

Sendo assim, é notório que operadoras de planos de saúde atuam como garantidoras do Estado e têm a obrigação de cumprir as normas constitucionais. Garantir o direito à saúde é, indiscutivelmente, assegurar o próprio direito à vida, conforme previsto no artigo 5º da Constituição Federal.


Negativa de fornecimento de medicamento de uso domiciliar


A ANS ampliou recentemente a cobertura obrigatória para incluir medicamentos orais de uso domiciliar para tratamento de câncer (antineoplásicos) e adjuvantes no tratamento oncológico. Essa inclusão representa um avanço significativo no direito dos beneficiários, garantindo o acesso a tratamentos essenciais sem a necessidade de internação.

Contudo, no tocante a outros medicamentos de uso domiciliar, frequentemente as operadoras de saúde recusem o fornecimento sob a justificativa de que são para uso domiciliar.


Certamente, a assistência à saúde mencionada no art. 10 a Lei dos Planos de Saúde abrange todas as ações necessárias para a prevenção de doenças, além da recuperação, manutenção e reabilitação da saúde. Isso implica que o fornecimento de medicamentos para tratar doenças é uma forma de garantir essa assistência. Isso é o que disciplina o artigo 35-F da Lei dos planos de saúde.

A jurisprudência do E. Tribunal de São Paulo caminha nesse sentido, o qual evidencia que tratando-se de medicamento à venda no mercado e devidamente registrado na ANVISA, deve a operadora de saúde fornecer o medicamento pleiteado, sendo que incumbe ao médico e não ao plano de saúde indicar qual o melhor tratamento para a paciente (TJSP; Recurso Inominado Cível 1007149-52.2021.8.26.0565 e Agravo de Instrumento 2224667-66.2022.8.26.000).


Ocorre que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a regra geral da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), que impõe às operadoras a obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS, não alcança os casos de medicamento de uso domiciliar (REsp 2.071.955).

Para a ministra Nancy Andrighi, a regra geral que impõe a obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS não alcança as exceções previstas nos incisos do caput do artigo 10 da Lei 9.656/1998:


A mesma lei não pode excluir da operadora uma obrigação (artigo 10, VI) e, depois, impô-la o seu cumprimento (artigo 10, parágrafo 13). Voltando a Carlos Maximiliano, essas duas regras devem ser interpretadas como ‘partes de um só todo, destinadas a complementarem-se mutuamente. Dessa forma, salvo nas hipóteses estabelecidas na lei, no contrato ou em norma regulamentar, não pode a operadora ser obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar, ainda que preenchidos os requisitos do parágrafo 13 do artigo 10 da Lei 9.656/1998 (REsp n. 2.071.955/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024.)

Além disso, julgou a Corte Superior (STJ):


 [...] 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte: É lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no Rol da ANS para esse fim. Interpretação dos arts. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 e 19, § 1º, VI, da RN nº 338/2013 da ANS (atual art. 17, parágrafo único, VI, da RN nº 465/2021) (REsp 1.692.938/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/4/2021, DJe 4/5/2021).  [...] 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.031.280/MG, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 9/3/2023.)

 

Dessa forma, decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm limitado essa obrigação, estabelecendo que, salvo exceções específicas, as operadoras de saúde não são obrigadas a cobrir medicamentos de uso domiciliar não incluídos no rol da ANS.  


Considerações Finais


A possibilidade de fornecimento de medicamentos pelos planos de saúde é um tema de grande relevância para os beneficiários, que devem estar bem informados sobre seus direitos e as coberturas oferecidas. Assim, embora a ANS tenha ampliado a cobertura obrigatória para incluir medicamentos orais de uso domiciliar no tratamento de câncer, a cobertura de outros medicamentos de uso domiciliar ainda enfrenta recusas frequentes por parte das operadoras de saúde.

Além disso, embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tenha favorecido a obrigação das operadoras de fornecer medicamentos prescritos por médicos, desde que registrados na ANVISA, decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelecem que, salvo exceções específicas, as operadoras de saúde não são obrigadas a cobrir medicamentos de uso domiciliar não incluídos no rol da ANS. 

Portanto, o debate sobre a cobertura de medicamentos de uso domiciliar pelos planos de saúde permanece complexo e sujeito a interpretações legais distintas, de modo que o conhecimento desses direitos é fundamental para que os beneficiários possam exigir e garantir o acesso adequado aos medicamentos necessários para seus tratamentos.

 

Autora: Julia Maria Siqueira (juliasiqueira@paduafariaadvogados.com.br) é assistente jurídica no escritório Pádua Faria Advogados, graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.

 

Referências:

BRASIL. LEI Nº 9.656, DE 3 DE JUNHO DE 1998.

Superior Tribunal de Justiça - REsp n. 2.071.955/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024).

Superior Tribunal de Justiça - AgInt no REsp n. 2.031.280/MG, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 9/3/2023).

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso Inominado Cível 1007149-52.2021.8.26.0565; Relator (a): Alexandre Zanetti Stauber; Órgão Julgador: 1º Turma Recursal Cível; Foro de São Caetano do Sul - Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 26/04/2022; Data de Registro: 26/04/2022).

VASCONCELOS, Aline. Fornecimento de medicamentos e o direito do paciente junto ao plano de saúde.  Jusbrasil. Acesso em: 10/06/2024.


VITAL, Danilo. Plano de saúde não é obrigado a custear remédio de uso domiciliar, diz STJ. Consultor Jurídico. Acesso em: 10/06/2024/ Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2024-mar-28/plano-de-saude-nao-e-obrigado-a-custear-remedio-de-uso-domiciliar-diz-stj/>

 

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