Direito de retirada nas sociedades limitadas
- Felipe Negreti
- 1 de jul.
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As relações entre sócios, por sua própria natureza contratual, devem basear-se em confiança recíproca e afinidade de propósitos. Quando esse vínculo se rompe, o ordenamento jurídico brasileiro oferece ao sócio a possibilidade de se desligar da sociedade — ainda que sem o consenso dos demais. Trata-se do chamado direito de retirada, aplicável às sociedades limitadas por prazo indeterminado, com base no art. 1.029 do Código Civil.
Embora esse artigo esteja localizado na parte referente às sociedades simples, é entendimento pacificado que ele se aplica supletivamente às sociedades limitadas, conforme autorizado pelos art. 1.053 do mesmo diploma legal.
A regra prevista no art. 1.029 do Código Civil estabelece que, nas sociedades constituídas por prazo indeterminado, o sócio pode se retirar mediante notificação aos demais, com antecedência mínima de 60 dias. A norma consagra um reflexo natural da essência contratual dessas sociedades: ninguém pode ser compelido a permanecer indefinidamente vinculado a um contrato contra a sua vontade (art. 5º, XX, da Constituição da República Federativa do Brasil).
O Código Civil de 2002, ainda que tenha positivado hipóteses específicas de retirada motivada no art. 1.077 (modificação do contrato, fusão ou incorporação), não vedou expressamente a retirada imotivada nas sociedades por prazo indeterminado, o que abriu espaço para um intenso debate doutrinário.
Alguns autores sustentam que o Código Civil teria limitado o direito de retirada apenas às hipóteses taxativamente previstas no art. 1.077. Nesse sentido, argumentam que, nas sociedades limitadas, haveria maior objetivação das participações societárias, o que afastaria o caráter inteiramente contratual da relação, aproximando-a das sociedades anônimas — onde não há direito de retirada imotivada.
Por outro lado, parcela significativa da doutrina, acompanhada pelo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma que, nas sociedades limitadas por prazo indeterminado, o direito de retirada imotivada permanece plenamente válido, justamente por ser corolário da liberdade contratual e da possibilidade de denúncia unilateral de contratos sem termo.
Essa posição majoritária reconhece que o art. 1.029 do Código Civil, ao prever a retirada nas sociedades simples por prazo indeterminado, deve ser aplicado também às limitadas — sendo, portanto, legítimo o desligamento unilateral do sócio, sem necessidade de justificativa, desde que respeitada a antecedência mínima de 60 dias e as formalidades legais.
O sócio que deseja exercer o direito de retirada deve notificar os demais sócios com pelo menos 60 dias de antecedência, sendo recomendável que a comunicação seja feita por meio que comprove o recebimento. Decorrido esse prazo, a sociedade deve formalizar a alteração contratual e proceder ao arquivamento na Junta Comercial.
Caso a sociedade se omita, qualquer interessado poderá arquivar a notificação, nos termos do art. 600, IV, do Código de Processo Civil de 2015, bastando comprovar o recebimento da comunicação por todos os sócios. Nessa hipótese, a Junta Comercial anotará a saída do sócio, e a sociedade deverá regularizar o quadro societário em futura alteração contratual, conforme dispõe a Instrução Normativa nº 81/2020 do DREI.
Quanto aos haveres, o sócio retirante terá direito à apuração com base em balanço de determinação (art. 606 do Código de Processo Civil). Se não houver disposição contratual em contrário, o pagamento deve ser realizado em até 90 dias após a apuração (art. 1.031, §2º, do Código Civil).
A retirada imotivada nas sociedades limitadas por prazo indeterminado é um importante instrumento de proteção à liberdade contratual do sócio e à higidez das relações societárias. A sua viabilidade jurídica, reforçada por sólida doutrina e jurisprudência, permite que a dissociação se faça de maneira legítima, respeitando os requisitos legais e os direitos das partes envolvidas.
Para as sociedades, é essencial prever mecanismos claros no contrato social que regulem a apuração de haveres, prazos e formas de pagamento, a fim de evitar litígios futuros. Já para o sócio que pretende se desligar, é imprescindível observar as formalidades legais e buscar orientação jurídica qualificada para preservar seus direitos.
Por Felipe Negreti, advogado em Direito Societário no Pádua Faria Advogados
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