O parcelamento do solo urbano é um tema primordial para o planejamento das cidades e a proteção do meio ambiente. No Brasil, a Lei n.º 6.766, de 19 de dezembro de 1979, estabelece diretrizes para esse parcelamento, buscando garantir um desenvolvimento ordenado e sustentável dos centros urbanos.
No entanto, a prática do parcelamento irregular gera consequências graves, tanto no âmbito civil quanto criminal, para aqueles que participam desse processo. Neste artigo, vamos explorar o parcelamento do solo à luz da referida lei, analisar a responsabilização civil e penal pelo dano ambiental e, por fim, apresentar considerações finais sobre a importância de um urbanismo responsável e regulamentado.
Parcelamento do Solo à Luz da Lei n.º 6.766 de 1979
A Lei n.º 6.766/1979, conhecida como a Lei do Parcelamento do Solo, fora sancionada com o objetivo de disciplinar o uso e a ocupação do solo urbano, garantindo o desenvolvimento das cidades de forma ordenada e sustentável.
A lei supracitada estabelece que o parcelamento do solo poderá ser realizado por meio de loteamentos ou desmembramentos, bem como determina que o parcelamento do solo é exequível em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
Uma das premissas fundamentais da lei é a necessidade de que o loteamento atenda a requisitos mínimos, por exemplo, áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, entre outras disposições previstas no artigo 4º.
Além disso, a Lei n.º 6.766/1979 prevê que, em condições específicas, o parcelamento do solo é vedado, in verbis:
Art. 3º [...]
Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:
I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;
Il - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;
III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;
IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
Outrossim, a Lei de Parcelamento do Solo prevê que o projeto de loteamento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, a depender do caso, bem como o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, assim, em caso de descumprimento das normas legais, o loteamento será considerado clandestino ou irregular e estará sujeito às sanções civis e penais cabíveis.
Imperioso salientar que a regulamentação visa assegurar que as cidades tenham uma infraestrutura capaz de suportar o crescimento populacional e as demandas sociais, a evitar loteamentos irregulares, a organizar a expansão urbana, entre outras.
Quando o parcelamento é realizado em desacordo com a Lei n.º 6.766/1979 ou com a legislação municipal caracteriza-se como irregular. Observa-se que o parcelamento irregular não só compromete a qualidade de vida dos moradores, que podem enfrentar problemas como falta de serviços essenciais e riscos ambientais, mas também impacta o planejamento urbano como um todo, dificultando a execução de políticas públicas eficientes, o desenvolvimento ordenado das cidades e a proteção do meio ambiente.
A Responsabilização Civil e Penal do Loteador
A prática do parcelamento irregular traz consigo uma série de implicações legais, que se desdobram em esferas civil e penal.
Da Responsabilização Civil
No âmbito civil, a responsabilização por danos decorrentes do parcelamento irregular é uma das consequências mais relevantes. Os responsáveis pela realização do parcelamento podem ser demandados judicialmente por prejuízos causados a terceiros. ]
Consoante prevista na Lei n.º 6.766/79, é dever de todo loteador tomar as providências referentes ao parcelamento do solo e atendar às exigências urbanísticas. Nesse sentido a lição de Diógenes Gasparini:
Por certo, tem-se que assegurar que o parcelador pode regularizara urbanização de sua responsabilidade, promovida clandestina ou irregularmente. Sua regularização pode ser sponte própria ou provocada. É sponte própria quando o parcelador percebe o vício e se dispõe a suprimi-lo. É provocada quando é notificado para corrigir o vício. O parcelador deve, para expungir o vício, atender em tudo ao que prescrevem a legislação pertinente e o ato de aprovação. A regularização colocará a urbanização na conformidade da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, da legislação municipal e estadual e do ato de aprovação. Nada deve ser deixado de lado a pretexto de tratar-se de regularização. Regularizar é promover nos termos da lei a aprovação, a execução e o registro (O Município e o Parcelamento do Solo, Saraiva, 2ª edição, p. 148/149)
Outro ponto importante é que a responsabilidade civil pode se estender a profissionais envolvidos no processo de parcelamento, como engenheiros e arquitetos, que, ao assinar projetos ou documentos, garantem que o empreendimento está em conformidade com as normas legais e técnicas. Caso se prove que houve negligência ou má-fé, esses profissionais podem ser responsabilizados civilmente por eventuais danos causados.
Da Responsabilização Penal
A responsabilização penal é outra dimensão que deve ser considerada no contexto do parcelamento irregular. A Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/1998) estabelece sanções para ações que causem degradação ambiental. Assim, o parcelamento irregular que não respeita as normas ambientais pode ser considerado crime, sujeitando os responsáveis a penas que variam desde multas até reclusão, dependendo da gravidade da infração.
Além disso, a prática de parcelamento irregular pode ser caracterizada como crime contra a ordem urbanística, previsto na legislação brasileira.
As sanções penais cabíveis em caso de parcelamento irregular ou clandestino do solo estão previstas no Capítulo IX, Disposições Penais, da Lei n.º 6.766/79, do art. 50 ao 52. Um dos principais pontos a ser destacado é que, aquele que, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes incide nas penas a estes cominadas, ipsis litteris:
Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.
Além disso, cita-se o artigo 52 tipifica o crime de registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.
É importante ressaltar que a responsabilização penal não se limita apenas aos proprietários do imóvel ou aos desenvolvedores do projeto. Também podem ser responsabilizados os agentes públicos que, de alguma forma, facilitam ou omitem informações sobre o parcelamento irregular, contribuindo para a sua ocorrência. A responsabilização de servidores públicos é essencial para garantir a integridade dos processos administrativos e proteger o patrimônio público e privado.
Considerações Finais
O parcelamento do solo irregular representa um desafio significativo para o planejamento urbano no Brasil. A Lei n.º 6.766/1979 fornece um arcabouço legal que visa promover um desenvolvimento ordenado e sustentável, mas a sua eficácia depende do cumprimento rigoroso de suas diretrizes. A irregularidade no parcelamento do solo não apenas prejudica o ambiente urbano, mas também gera insegurança jurídica, afeta a qualidade de vida dos moradores e pode resultar em graves consequências legais para os envolvidos.
A responsabilização civil e penal dos agentes envolvidos no parcelamento irregular é fundamental para coibir essa prática e proteger os direitos dos cidadãos. Profissionais do direito, urbanistas e gestores públicos devem trabalhar em conjunto para promover a regularização fundiária e a conscientização sobre a importância do cumprimento das normas urbanísticas.
Autora: Bianca Alves Ferreira (estagio2@paduafariaadvogados.com.br) é estagiária do Departamento Contencioso Cível no escritório Pádua Faria Advogados, graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.
Referências:
BRASIL. Lei n.º 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm>. Acesso em: 21/10/2024.
GASPARINI, Diogenes. O Município e o Parcelamento do Solo. 2ª Edição. Editora Saraiva. Ano 1988.
PIRES, Cristiane Montefeltro Fraga. Loteamentos irregulares e a responsabilidade civil pelo dano ambiental. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/loteamentos-irregulares-e-a-responsabilidade-civil-pelo-dano-ambiental/>. Acesso em 21/10/2024.
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