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SAFE – Simple Agreement for Future Equity: o que é, como funciona e por que se tornou popular entre startups e investidores




I. Introdução


O ambiente de inovação e empreendedorismo tem impulsionado a criação de mecanismos alternativos de financiamento, especialmente voltados a startups em fases iniciais de desenvolvimento. Em um cenário no qual a agilidade na captação de recursos pode ser determinante para a validação do modelo de negócios, instrumentos contratuais menos burocráticos e mais flexíveis vêm ganhando destaque.

É nesse contexto que surge o SAFE – Simple Agreement for Future Equity, ou Acordo Simples para Participação Futura, criado pela aceleradora norte-americana Y Combinator em 2013. Sua proposta é permitir que investidores aportem recursos em startups hoje, com a expectativa de conversão desse investimento em participação societária futura, mediante certos eventos predefinidos.

Ao evitar, em um primeiro momento, a necessidade de negociação de valuation, estrutura societária ou emissão formal de participação, o SAFE proporciona eficiência e simplicidade, sendo especialmente útil para startups que ainda se encontram em fase de validação de mercado, sem histórico consolidado de faturamento ou métricas de performance.

No Brasil, o uso do SAFE tem se expandido de forma crescente. Ainda assim, sua adoção exige cautela e adequada adaptação à legislação nacional, sobretudo no que tange à estrutura societária, aos efeitos tributários e à caracterização jurídica do instrumento. Neste artigo, serão analisadas as características do SAFE, suas vantagens e riscos, além de um caso prático que ilustra sua aplicação na realidade brasileira.


II. O que é o SAFE e como funciona?


O SAFE (Simple Agreement for Future Equity) é um instrumento contratual de investimento que confere ao investidor o direito de receber participação societária futura em uma empresa, condicionado à ocorrência de determinados eventos previamente estipulados. Trata-se de um mecanismo de antecipação de capital, sem que haja, neste momento, a efetiva integralização de quotas ou ações no capital social da empresa investida.


Os eventos que podem deflagrar a conversão do SAFE em participação societária incluem:


  • Rodada qualificada de investimentos: captação futura de recursos junto a investidores institucionais ou estratégicos, com valor mínimo pré-estabelecido;

  • Evento de liquidez: venda da empresa, reorganização societária, fusão, cisão ou incorporação que implique mudança de controle;

  • Oferta Pública Inicial (IPO): abertura de capital da empresa junto ao mercado.


Nessas hipóteses, o valor inicialmente aportado é convertido em participação societária, geralmente com base em critérios econômicos vantajosos ao investidor. O SAFE pode prever dois principais mecanismos de proteção e valorização:


  • Valuation Cap: teto de avaliação da empresa a ser considerado para a conversão do investimento, mesmo que o valuation de mercado esteja acima desse limite no momento da rodada;

  • Desconto (Discount Rate): percentual de desconto aplicado sobre o valor por ação ou quota definido na rodada de captação, proporcionando ao investidor um preço mais vantajoso.


Não se trata, portanto, de uma operação de mútuo nem de um contrato de participação societária tradicional. O SAFE não prevê vencimento, remuneração por juros ou devolução obrigatória do capital investido, o que o distingue, em essência, dos mútuos conversíveis. Essa característica o torna um instrumento de risco para o investidor, ao mesmo tempo em que representa um modelo menos oneroso e mais célere para startups em fase inicial.

Por sua simplicidade formal e flexibilidade, o SAFE se consolidou como uma alternativa moderna para investimentos seed e pré-seed, especialmente em contextos em que a definição de um valuation justo é desafiadora ou prematura.


III. Aspectos jurídicos relevantes no Brasil


Embora o SAFE tenha origem no direito estrangeiro, ele pode ser adaptado à realidade brasileira com alguns cuidados:


1. Natureza jurídica


A natureza jurídica do SAFE ainda suscita debates no ordenamento brasileiro, em razão de sua origem no direito norte-americano e de sua estrutura contratual atípica. Não se trata de um contrato de mútuo, tampouco de uma operação societária imediata. O SAFE é, em essência, um instrumento de promessa condicional de subscrição de participação societária, cujos efeitos se projetam no tempo, a depender da concretização de eventos futuros determinados em contrato.

Sua característica central é a ausência de exigibilidade da devolução do capital investido, bem como de remuneração ou encargos financeiros, afastando sua qualificação como obrigação pecuniária tradicional. Ao mesmo tempo, o SAFE não confere, no momento da assinatura, qualquer direito político ou patrimonial típico dos sócios ou acionistas.

Diante disso, a interpretação predominante na doutrina especializada o aproxima dos contratos de opção de subscrição de participação societária, com efeitos subordinados à ocorrência de condições suspensivas (como uma rodada futura de investimentos). Ainda assim, sua formatação exige atenção para que o instrumento não seja confundido com outras figuras jurídicas, como o mútuo (que atrai incidência de IOF, entre outros efeitos) ou doações (com implicações fiscais distintas).

A clareza na redação contratual é, portanto, essencial para assegurar a adequada qualificação do SAFE, delimitando obrigações, riscos e expectativas entre as partes de maneira precisa e juridicamente segura.


2. Estrutura societária


A implementação do SAFE exige atenção especial à estrutura societária da empresa investida, especialmente no contexto brasileiro, onde a maioria das startups adota o modelo de sociedade limitada (LTDA). A conversão do investimento em participação societária demanda que o contrato social — ou o estatuto, no caso das sociedades anônimas — preveja expressamente a possibilidade de aumento de capital e a admissão de novos sócios ou acionistas em decorrência de obrigações contratuais previamente assumidas.

Nas sociedades limitadas, o processo de integralização de novas quotas depende, como regra, da deliberação unânime dos sócios, salvo disposição contratual em sentido diverso. Além disso, a ausência de instrumentos societários padronizados para emissão de valores mobiliários, como ações preferenciais ou opções de subscrição, pode dificultar a aplicação prática de cláusulas típicas do SAFE — como antidiluição, preferência de liquidez ou direitos especiais.

Diante dessas limitações, é comum condicionar o SAFE à transformação da empresa em sociedade por ações (S/A) ou à realização de um aumento de capital futuro com emissão proporcional de participação, viabilizando a conversão nos moldes acordados. Uma alternativa possível é incluir, já no contrato social da sociedade limitada, cláusulas que antecipem os termos da futura subscrição de quotas, conferindo segurança jurídica ao investidor e previsibilidade aos demais sócios.

Portanto, a viabilidade do SAFE não se restringe ao seu texto contratual, mas exige um ajuste prévio ou concomitante à governança societária da empresa, a fim de assegurar sua eficácia no momento da conversão. Esse cuidado é especialmente relevante para evitar impasses futuros e assegurar que os efeitos do contrato possam ser plenamente implementados sem necessidade de renegociação ou litígios entre as partes envolvidas.


3. Tributação


A tributação incidente sobre operações estruturadas por meio de SAFE ainda é um tema de considerável insegurança jurídica no Brasil, dada a ausência de regulamentação específica e a natureza atípica do instrumento no ordenamento pátrio.

Por não configurar um mútuo — já que não há obrigação de devolução do capital aportado nem previsão de remuneração por juros —, o SAFE não se submete à incidência de IOF na forma do artigo 13 da Lei nº. 9.779/99. No entanto, uma redação ambígua pode levar a interpretações fiscais equivocadas, especialmente quando o contrato faz referência à devolução do valor em hipótese de não conversão, o que pode caracterizar um empréstimo disfarçado.

Outro risco tributário envolve a eventual caracterização do aporte como doação, caso a conversão não ocorra e não haja contrapartida patrimonial ao investidor. Nesse cenário, poderia incidir o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), conforme a legislação estadual aplicável — hipótese que deve ser evitada por meio de cláusulas bem estruturadas.

No momento da conversão, a principal atenção recai sobre a valoração da participação societária atribuída ao investidor. Se o preço por quota ou ação for artificialmente reduzido (por força de cap ou desconto), há risco de autuação fiscal com base em suposta simulação ou subavaliação do capital integralizado. A Receita Federal pode questionar a operação sob a ótica da distribuição disfarçada de lucros (DDL) ou da evasão fiscal, especialmente quando houver vínculos pessoais entre as partes contratantes.

Por fim, no caso de eventual alienação futura da participação adquirida por conversão do SAFE, será apurado ganho de capital sujeito à tributação pelo IRPF ou IRPJ, conforme a natureza da pessoa investidora. Para fins de cálculo, será considerado o valor efetivamente investido como custo de aquisição.

Diante dessas variáveis, é fundamental que o SAFE seja estruturado de forma clara e juridicamente coerente, com suporte técnico que considere desde a redação contratual até os efeitos societários e fiscais da operação. A abordagem preventiva é o melhor caminho para garantir segurança jurídica e evitar questionamentos por parte das autoridades fiscais.


IV. Principais vantagens e riscos do SAFE


A popularização do SAFE como instrumento de investimento em startups decorre, em grande parte, de seu caráter simplificado e flexível. No entanto, sua adoção envolve riscos relevantes, que devem ser cuidadosamente considerados por todas as partes envolvidas. A análise das vantagens e desvantagens permite compreender melhor o potencial e as limitações desse modelo contratual.

Para as startups, o SAFE representa uma via de acesso a capital de forma rápida e com menor complexidade jurídica. Por não exigir a definição imediata do valuation da empresa — etapa que, em estágios iniciais, pode ser artificial ou controversa —, o instrumento favorece a captação de recursos sem a necessidade de reestruturações societárias ou emissão formal de participação. Além disso, evita a diluição prematura dos fundadores, permitindo que a empresa avance em seu desenvolvimento antes de negociar efetivamente sua valorização.

Já para os investidores, o SAFE possibilita a entrada antecipada em negócios inovadores, com alto potencial de valorização. Mecanismos como o valuation cap e o desconto na rodada futura funcionam como ferramentas de proteção e valorização do aporte, ao mesmo tempo em que simplificam a negociação. Em vez de longos memorandos de investimento ou due diligences complexas, o investidor pode formalizar sua entrada com agilidade e menor custo transacional.

Apesar das vantagens, o SAFE impõe desafios relevantes. Do ponto de vista do investidor, o principal risco está na ausência de garantias de retorno: caso a startup não atinja os marcos contratuais previstos — como uma rodada qualificada ou evento de liquidez —, o capital investido pode jamais ser convertido, sem direito à restituição. Isso distingue o SAFE de um mútuo ou de uma obrigação de entrega futura de quotas, elevando seu risco jurídico e econômico.

Também é essencial que o contrato seja redigido com rigor técnico. Cláusulas genéricas ou omissas sobre os critérios de conversão, direitos do investidor, governança pós-conversão e hipóteses de inadimplemento podem gerar insegurança jurídica e levar a litígios entre as partes. A falta de harmonização entre os termos do SAFE e os documentos societários da empresa é outro ponto crítico, especialmente em sociedades limitadas, onde não há previsão legal expressa para instrumentos híbridos.

Em suma, o SAFE é um instrumento contratual poderoso, mas que exige estruturação cuidadosa e aderência à realidade jurídica brasileira, a fim de evitar distorções, fragilidades contratuais e efeitos indesejados no longo prazo.


V. Case prático: SAFE em startup de tecnologia educacional


Para ilustrar a aplicação prática do SAFE no contexto brasileiro, toma-se como exemplo o caso de uma startup fictícia do setor de tecnologia educacional — aqui denominada EduNext — sediada em São Paulo e ainda em estágio pré-operacional.

A EduNext buscava um investimento de R$ 500 mil para desenvolver seu MVP (mínimo produto viável) e validar seu modelo de negócios junto a escolas privadas. Naquele momento, a empresa ainda não gerava receita, tampouco possuía métricas consistentes de tração ou recorrência, o que inviabilizava a definição de um valuation robusto para suportar uma rodada de equity tradicional.

Diante disso, os fundadores optaram por estruturar um SAFE, cujos termos principais foram os seguintes:


  • Valor do aporte: R$ 500 mil

  • Valuation cap: R$ 10 milhões

  • Desconto: 20% sobre o valor da futura rodada qualificada

  • Evento de conversão: captação superior a R$ 2 milhões com investidores institucionais

  • Prazo máximo para conversão: 4 anos


O contrato foi cuidadosamente redigido para prever cláusulas específicas sobre os critérios de conversão, eventual liquidação antecipada da empresa, governança pós-conversão e mecanismos antidiluição. Também foi ajustado o contrato social da sociedade limitada para antecipar, de forma expressa, a possibilidade de emissão de novas quotas vinculadas à conversão do SAFE, evitando a necessidade de unanimidade para admissão do novo sócio investidor.

Dois anos após o aporte inicial, com o MVP validado e o início da geração de receita, a EduNext captou R$ 5 milhões em uma rodada seed liderada por um fundo de investimento. Com a aplicação do valuation cap, o investidor original converteu seu SAFE em uma participação societária correspondente a 5% do capital social, obtendo valorização significativa em relação ao investimento realizado.

O sucesso da operação não se deu apenas pelo crescimento da startup, mas também pela estruturação jurídica adequada do SAFE, que garantiu segurança às partes e permitiu uma transição fluida para o novo quadro societário, sem litígios ou incertezas quanto à validade da conversão.

Esse caso exemplifica como o SAFE pode ser uma ferramenta eficaz para viabilizar o crescimento de startups em fases iniciais, desde que empregada com estratégia jurídica e alinhamento entre os interesses dos fundadores e dos investidores.


VI. Conclusão


O SAFE representa um avanço relevante no campo do financiamento de startups e empresas em estágio inicial, oferecendo uma alternativa eficiente, flexível e de rápida implementação para a captação de recursos. Seu modelo contratual simplificado permite que os empreendedores atraiam investidores em momentos estratégicos de desenvolvimento, sem a necessidade de estruturar, de imediato, uma rodada societária tradicional.

No entanto, sua adoção exige atenção redobrada. A transposição de um instrumento concebido em outro ordenamento jurídico requer cuidados específicos quanto à sua validade, efeitos e enquadramento na realidade societária e tributária brasileira. Elementos como a natureza jurídica do aporte, os marcos de conversão, os direitos envolvidos e os mecanismos de governança devem ser criteriosamente adaptados à operação concreta.

A depender das circunstâncias, a forma como o SAFE é desenhado pode impactar diretamente não apenas a estrutura da empresa no futuro, mas também a segurança jurídica do investimento e a sua viabilidade tributária. Por isso, o uso do SAFE não deve seguir modelos padronizados ou genéricos, mas sim ser moldado de forma personalizada e estratégica, levando em conta o estágio do negócio, os interesses das partes e os cenários de captação projetados.

O SAFE é, portanto, uma ferramenta interessante — desde que compreendida em sua complexidade e utilizada com responsabilidade técnica.


Autor: Wilton João Caldeira da Silva (wilton@paduafariaadvogados.com.br) é advogado no escritório Pádua Faria Advogados, Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera/UNIDERP, Pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), LLM em Direito Empresarial pela CEU LAW SCHOOL, MBA em Gestão de Negócios pela USP/ESALQ e Qualificação para Data Protection Officer – DPO pela Opice Blum Academy.

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