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Assédio moral nas relações de trabalho: Análise da convenção 190 da OIT e da Jurisprudencia do Tribunal Superior do Trabalho

Marina Pedigoni Mauro Araújo

É indiscutível que o local de trabalho do ser humano deve ser um ambiente que promova civilidade, educação e saúde, protegendo a dignidade dos trabalhadores. O artigo 225 da Constituição Federal garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, abrangendo também um ambiente de trabalho saudável. Neste sentido, o conceito de trabalho decente significa o respeito aos direitos básicos dos trabalhadores, e a falta de observância a esses direitos leva à degradação da pessoa.



Embora não exista uma lei nacional específica sobre assédio moral no trabalho, várias normas condenam essa prática. O assédio moral é uma conduta abusiva que pode se manifestar por palavras, comportamentos ou gestos repetitivos, ferindo a dignidade do trabalhador. Esse tipo de assédio pode causar doenças e prejudicar a vida profissional, social e pessoal do trabalhador, ocorrendo no ambiente de trabalho ou por causa dele.


A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) possui dispositivos que reprimem algumas condutas que podem caracterizar assédio moral, como a proibição de alterações unilaterais prejudiciais ao empregado e exigências abusivas (arts. 468, 469 e 483 da CLT). Tais normas vedam práticas como exigir serviços além das forças do empregado, tratamentos rigorosos excessivos, colocar o empregado em perigo manifesto, descumprir obrigações contratuais e atos lesivos à honra e boa fama do trabalhador ou de suas famílias.


Por sua vez, o artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal, garante o direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação da imagem, bem como dos direitos à intimidade, vida privada e honra. Ainda, o artigo 7º, inciso XXII, prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde e segurança.


O assédio moral é geralmente sutil, pois agressões abertas permitem revide e expõem a estratégia do agressor. Algumas condutas identificáveis como assédio moral incluem: metas abusivas, retirada de autonomia, tarefas humilhantes, gritos ou desrespeito constante, espalhar rumores, punições vexatórias, mensagens depreciativas, isolamento do trabalhador, ócio forçado, monitoramento excessivo, falta de informações essenciais, críticas sistemáticas e exageradas, críticas à vida pessoal, ligações excessivas fora do trabalho, punições por afastamento médico, exigência de que mulheres não engravidem, alteração de horários de trabalho, obrigar a fazer dancinhas nas redes sociais, dentre outras. Portanto, inúmeras condutas podem ser classificadas como assédio moral, geralmente visando provocar sofrimento ou desmotivação, causando prejuízos pessoais e profissionais.


Existem três tipos de assédio no trabalho: vertical, horizontal e misto:

- Assédio moral vertical: envolve hierarquias distintas, podendo ser descendente (superior hierárquico vitimiza subordinado) ou ascendente (subordinado vitimiza superior);

- Assédio moral horizontal: ocorre entre colegas de trabalho sem relação hierárquica;

- Assédio moral misto: combina assédios vertical e horizontal simultaneamente, afetando o trabalhador por superiores e colegas.

Assim, qualquer trabalhador, independentemente de sua posição hierárquica, pode sofrer assédio moral.


Na atual configuração jurídica brasileira, existe o entendimento majoritário de que uma conduta isolada não configura assédio moral, que é uma prática complexa, exigindo habitualidade, discriminação, agressão a indivíduos ou grupos e prolongamento no tempo. No entanto, mesmo uma conduta ofensiva isolada poderia constituir outras infrações jurídicas, gerando responsabilidade civil, administrativa, trabalhista ou criminal, dependendo do caso.


Por outro lado, em uma perspectiva mais ampla, o Direito Internacional apresenta normas que divergem desse entendimento. A Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Violência e Assédio no Trabalho, define em seu artigo 1º, “a”, que: “a expressão ‘violência e assédio’ no mundo do trabalho designa um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças de tais comportamentos e práticas, manifestadas apenas uma vez ou repetidamente, que tenham por objetivo, que causem ou são suscetíveis de causar, um dano físico, psicológico, sexual ou econômico, incluindo as situações de violência e assédio em razão de gênero.”


A Convenção 190 é pioneira ao fornecer uma definição internacional de violência e assédio no ambiente de trabalho. Adotada pela OIT desde 2019, a Convenção 190 já foi ratificada por 25 países, entre eles Argentina, México e Uruguai. Em 8 de março de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional um pedido para que o Brasil ratifique a convenção, que agora tramita de forma semelhante a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Atualmente, a Convenção 190 aguarda apreciação na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.


Vale notar que, ao contrário da doutrina predominante que exigia a reiteração e sistematização de condutas para caracterizar o assédio moral, a Convenção nº 190 considera que a violência e o assédio no trabalho podem ser identificados em atos únicos, desde que sejam graves o suficiente para ultrapassar os limites do poder diretivo do empregador e se enquadrarem na ilegalidade. Isso abre espaço para uma revisão doutrinária sobre o aspecto temporal que, até então, definia o assédio moral.


E é neste sentido que vem se posicionando a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, ainda que não ratificada sobredita Convenção, conforme os julgados RRAg-11608-79.2016.5.15.0102, Relator Maurício Godinho Delgado, 28 de maio de 2024 e Ag-AIRR-195-85.2020.5.12.0046, Relator Alberto Bastos Balazeiro, 28 de maio de 2024, a título de exemplo.


Desta forma, é certo que a atual legislação brasileira, embora abrangente em diversos aspectos, ainda carece de uma normatização específica sobre o assédio moral. Neste cenário, tem-se que a Convenção nº 190 tem sido considerada, desde já, pela corte superior trabalhista, como um instrumento jurídico crucial, independentemente de sua ratificação, ao definir a violência e o assédio no trabalho e reconhecer a gravidade de atos reiterados e isolados, o que amplia a proteção aos trabalhadores. A ratificação dessa convenção no Brasil representaria um avanço significativo na garantia de um ambiente laboral seguro e digno, alinhando o país às práticas internacionais e reafirmando o compromisso com os direitos fundamentais dos trabalhadores.


Autora: Marina Pedigoni Mauro Araújo

OAB/SP nº 325.912

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