A Terceirização e a Pejotização são práticas comuns no mercado de trabalho brasileiro, frequentemente utilizadas por empresas em busca de maior flexibilidade e redução de custos operacionais. No entanto, essas estratégias podem acarretar em complexos riscos jurídicos, especialmente no que tange ao reconhecimento de vínculo empregatício com o tomador de serviços. Este artigo se propõe a explorar as circunstâncias e critérios que levam à caracterização do vínculo empregatício, analisando as decisões judiciais e os parâmetros legais aplicáveis, bem como os impactos dessas práticas no cenário atual.
REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO
Primeiramente, precisamos deixar clara a conceituação clássica de que a relação de trabalho é gênero, é o contrato, escrito ou verbal, de atividade pelo qual uma pessoa se obriga a uma prestação em favor de outra parte, mediante contraprestação ou a título gratuito.
Neste sentido, a relação de emprego, ou vínculo empregatício, é uma espécie de relação de trabalho, na qual o empregado compromete-se a prestar serviços a outra parte, o empregador, em caráter PESSOAL, SUBORDINADO, ONEROSO, NÃO EVENTUAL e COM ALTERIDADE, ou seja, não assume os riscos da atividade.
Na caracterização do vínculo empregatício, existe uma presunção conceitual de que a autonomia da vontade das partes é relativizada, sendo considerado como primordial o contrato realidade, ou seja, o que ocorria na prática prevalecerá ante qualquer documento escrito, em caso de conflito entre estes. Neste sentido, o contrato de trabalho pode ser tácito, ou seja, ainda que nunca tenha sido formalizado entre as partes, se tiver ocorrido tal relação na prática, esta será considerada.
Assim, as regras de direito do trabalho são consideradas de ordem pública, ou seja, o patamar mínimo de direitos não pode ser objeto de negociação entre as partes, por caracterizar um patamar civilizatório mínimo, com impactos de matéria tributária e previdenciária, o que tem tudo a ver com a nossa conversa de hoje.
PEJOTIZAÇÃO X TERCEIRIZAÇÃO
Diante deste contexto, é essencial diferenciar as concepções de Pejotização e Terceirização.
A Terceirização é um fenômeno econômico, que possui impacto nas relações jurídicas de trabalho, sendo o processo pelo qual há contratação ou transferência de parte das atividades econômicas para empresas especializadas, com o objetivo de otimizar o processo produtivo ou de serviços, com a diminuição de custos operacionais e finalidade de obtenção de maior produtividade, qualidade e competitividade.
Por outro lado, a Pejotização refere-se à contratação de serviços de um profissional autônomo através de sua Pessoa Jurídica (PJ), muitas vezes empresário individual ou MEI, sem estabelecer um contrato de trabalho propriamente dito. Nesse arranjo, a empresa contrata o profissional como prestador de serviços, e ele emite notas fiscais como empresa própria. Nestes casos, é muito comum a recontratação de profissionais que anteriormente eram funcionários celetistas da empresa, aumentando o risco de reconhecimento de fraude na prestação de serviços.
Portanto, percebe-se que na Pejotização está presente o requisito da pessoalidade, o qual não faz parte, em tese, das prestações de serviços terceirizadas.
TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-MEIO E DA ATIVIDADE-FIM
Até 2017, ocasião em que houve a Reforma Trabalhista, o entendimento do TST sobre a Terceirização da atividade-meio e da atividade-fim era descrito na Súmula 331, a qual estabelecia o seguinte:
- Era lícita a Terceirização de atividade-meio, como limpeza, conservação, vigilância, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Havia, neste cenário, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços.
- Era ilícita a Terceirização da atividade-fim ou de atividades-meio com pessoalidade e subordinação, caracterizando-se a responsabilidade solidária do tomador de serviços.
Com a Reforma Trabalhista, a Súmula 331 do TST foi superada, diante da Tese de Repercussão Geral - Tema 725 do STF, pela qual passou-se a entender que “É lícita a Terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante."
Considera-se ilícita, portanto, a Terceirização de atividade meio ou fim, em que haja pessoalidade e subordinação, ou seja, quando na prática, o tomador de serviços for o real empregador, independentemente de se tratar de atividade meio ou fim.
Assim, a empresa prestadora de serviços deve ter capacidade econômica compatível com a sua execução, devendo contratar, remunerar, dirigir o trabalho.
JURISPRUDÊNCIA DO STF NAS RECLAMAÇÕES CONSTITUCIONAIS
O STF tem recebido nos últimos meses uma quantidade expressiva de reclamações constitucionais para cassar decisões da Justiça do Trabalho relativas a alegações de contratos fraudulentos de prestação de serviços. Embora esses processos ainda não tenham sido decididos por órgão colegiado, alguns ministros, individualmente, têm concedido decisões liminares para desconstituir as decisões da Justiça do Trabalho e até mesmo para afastar a competência desta em matéria trabalhista.
Este cenário tem trazido decisões conflitantes, como a Reclamação 60.620 de relatoria do Ministro Edson Fachin, a qual reconheceu, em abril de 2024, que a contratação de pessoa física por meio de pessoa jurídica (Pejotização), em fraude à CLT, não é sinônimo de Terceirização.
A título de exemplo, o mesmo ministro, na Reclamação Constitucional nº 65.868, o STF entendeu como válida a contratação de um diretor financeiro como pessoa jurídica (PJ), por entender que há compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na Terceirização do trabalho, como também a ausência de condição de vulnerabilidade, no caso em análise, na opção pelo contrato firmado na relação jurídica estabelecida a justificar a proteção estatal por meio do Poder Judiciário.
Em conclusão, a análise jurídica estratégica das práticas de Terceirização e Pejotização é essencial para mitigar riscos e garantir a conformidade com a legislação trabalhista. A caracterização indevida de vínculos empregatícios pode acarretar sérias implicações, inclusive financeiras para as empresas, incluindo multas e a obrigação de conceder direitos trabalhistas retroativamente. Portanto, é fundamental que as empresas estejam atentas aos critérios estabelecidos pela jurisprudência e pela legislação vigente, a fim de evitar contingências jurídicas e promover relações de trabalho mais transparentes e assertivas.
Autora: Marina Pedigoni
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