
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou uma questão de grande relevância para o direito imobiliário e para os profissionais que atuam nesse ramo. O julgamento do Recurso Especial nº 2.166.273-SP trouxe à tona a discussão sobre a nulidade de negócios jurídicos envolvendo compra e venda de lotes não registrados, com fundamento na Lei nº 6.766/1979.
A Lei 6.766/1979 e a Vedação da Venda de Lotes Irregulares
A Lei nº 6.766/1979, também conhecida como Lei de Parcelamento do Solo Urbano, regula os procedimentos para loteamentos e desmembramentos, buscando prevenir práticas que possam causar danos ambientais e sociais. Especificamente, o artigo 37 da referida lei proíbe a venda ou a promessa de venda de lotes não registrados:
Art. 37. É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado.
Essa vedação tem como objetivo assegurar que os lotes comercializados atendam às normas urbanísticas e à segurança jurídica das partes envolvidas, além de evitar consequências negativas para o meio ambiente e para a coletividade.
A Decisão do STJ: Nulidade de Negócios Jurídicos
No julgamento do caso, a Terceira Turma do STJ, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, reafirmou que a compra e venda de lote não registrado é nula, independentemente de as partes estarem cientes da irregularidade. O tribunal destacou que o objeto do contrato é considerado ilícito, conforme a previsão legal, e que a nulidade decorre da própria natureza do negócio jurídico.
O entendimento foi fundamentado na necessidade de coibir os impactos negativos de loteamentos clandestinos, como:
Danos ambientais resultantes de ocupações desordenadas;
Prejuízos sociais decorrentes da falta de infraestrutura adequada e de serviços públicos;
Insegurança jurídica para os adquirentes de lotes irregulares.
Cláusulas Contratuais e a Boa-Fé das Partes
Outro ponto relevante abordado pelo STJ foi a irrelevância da aceitação, pelas partes, das irregularidades no momento da celebração do contrato. Em situação recente, analisada pela Terceira Turma, o vendedor havia incluído uma cláusula no contrato informando a falta de registro e a existência de uma ação civil pública envolvendo a região. Apesar de o comprador ter inicialmente aceitado essas condições, ajuizou posteriormente uma ação declaratória de nulidade do negócio jurídico, obtendo decisão favorável.
A ministra Nancy Andrighi destacou que a ciência da irregularidade pelo adquirente não convalida o negócio jurídico nulo. Em casos como esse, a lei impõe o retorno das partes ao status quo ante, ou seja, à situação anterior ao contrato. Isso reforça a necessidade de que loteadores regularizem devidamente o loteamento antes de qualquer comercialização, independentemente da boa-fé ou aceitação das partes envolvidas.
Distinção com o Usucapião de Imóveis Irregulares
Embora o STJ tenha decidido pela nulidade da compra e venda de lote não registrado, é importante não confundir essa situação com a possibilidade de usucapião de terrenos irregulares, que foi objeto de decisão anterior (Resp. 1.818.564 do DF – 2ª Seção – 06/21). No caso da usucapião, o foco está no uso contínuo, pacífico e de boa-fé do imóvel, atendendo a requisitos específicos para a aquisição da propriedade.
Implicações Práticas para Negócios Imobiliários
Essa decisão reforça a importância de uma assessoria jurídica especializada na verificação de regularidades de imóveis antes da celebração de contratos. Entre as boas práticas que devem ser adotadas estão:
Consulta aos Registros Imobiliários: Certificar-se de que o loteamento está devidamente registrado é essencial para evitar a nulidade do negócio.
Análise da Documentação: Exigir a apresentação de documentos que comprovem a regularidade do lote.
Orientação para Compradores: Informar os clientes sobre os riscos associados à aquisição de imóveis irregulares.
Considerações Finais
A decisão do STJ é um importante precedente que reafirma a necessidade de cumprimento das normas previstas na Lei 6.766/1979. O fato de ambas as partes estarem cientes da irregularidade do loteamento não afasta a nulidade do negócio, sendo imprescindível o retorno ao status quo ante.
Para compradores e profissionais do setor, a atenção à regularidade dos imóveis é indispensável para assegurar a validade e a segurança jurídica dos negócios imobiliários. Além disso, é essencial que os agentes envolvidos no mercado imobiliário estejam devidamente informados sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos da comercialização de lotes irregulares, atuando de forma preventiva para evitar litígios e prejuízos para todas as partes.
Referências:
QUEIROZ, Mônica. Semana de atualização jurídica. STJ: Nulidade de negócio jurídico - compra e venda de lote clandestino ou irregular. Disponível em: <https://lp.g7juridico.com.br/saj/aula-01>.
Superior Tribunal De Justiça. STJ. Recurso Especial nº 2166273 - SP (2024/0192932-0). Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202401929320&dt_publicacao=10/10/2024>
VITAL, Danilo. Compra e venda entre particulares de lote não registrado é sempre nula. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-02/compra-e-venda-entre-particulares-de-lote-nao-registrado-e-sempre-nula-diz-stj/.
Autora: Julia Maria Siqueira (juliasiqueira@paduafariaadvogados.com.br) é advogada no escritório Pádua Faria Advogados, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.
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